#43
Quanto esta fotografia diz sobre política! Como a politica, nas suas origens, é irreprimível. Estes cinco homens, com os seus amores, as suas crianças, as suas canções e a sua memória Anatoliana, não são os tolos de ninguém. Foram muitas vezes mal dirigidos, muitas vezes mal organizados, muitas vezes as primeiras vítimas da auto-indulgência carismática dos seus lideres, mas nada disso os surpreendeu. Do mundo presente que tão bem conhecem, não esperavam melhor.
#42
Milhares desapareceram sem notícia. Até agora, pelo menos oito morreram pela tortura. É provavel que um dos cinco para quem olho agora esteja a ser torturado hoje. O seu corpo, tão inconfundível aos olhos da sua mãe, é obrigado a sofrer o impensável.
#41
Pelo menos 50.000 pessoas foram presas. A acusação exigiu centenas de sentenças de morte - principalmente contra os sindicalistas militantes. As perseguições ao homem são tão sistemáticas como a tortura, usada na esperança de extrair mais nomes e ligações. Por isto a fotografia tornou-se incriminadora.
#40
Desde o golpe de estado de Setembro de 1980, a DISK - organização sindical de esquerda, aos quais os cinco pertenciam - foi declarada como ilegal, assim como todos os partidos políticos.
#39
Para os cinco na sala dos paineis de madeira, a resistência é mais do que um reflexo, mais do que a recusa primitiva dos músculos do que o corpo reconhece como injustiça - porque aquilo que o seu esforço está continuamente a criar é imediatamente e irremediavelmente tirado das suas maõs. A sua resistência foi montada, e entrou nos seus pensamentos, nas suas esperanças, nas suas explicações do mundo. As cinco cabeças, cujos os olhos me furam, declararam os seus corpos não só como resistentes mas militantes.
#38
É como se um tribunal, nos momentos das suas concepções, os tivesse sentenciado a todos a ter as cabeças cortadas dos seu corpos quando tivessem quinze anos. Quando o tempo chegou, eles resistiram, e as suas cabeças permaneceram nos seus ombros. Mas a tensão e a obstinação dessa resistência manteve-se, e ainda se mantém, visível - ali, entre a nuca e as omoplatas. A maioria dos trabalhadores do mundo carrega o mesmo estigma: um sinal de como o poder do trabalho sobre os seus corpos foi arrancado das suas cabeças, onde os seus pensamentos e imaginação continuam, mas desprovidos agora de possuírem o seus próprios dias e energia no trabalho.
#37
No entanto, despidos das roupas num banho público, um polícia ou um militar não teriam dificuldade em identificá-los como trabalhadores. Mesmo que os cinco semi-cerrassem os olhos para disfarçar as suas expressões e fingissem uma indiferença louvável, a sua classe social ainda seria evidente. Mesmo que com a ajuda mágica de um certo djinn eles assumissem, com perfeição, a expressão facial típica de uma amante de um especulador- uma expressão de charme adocicado, indiferença adocicada e ganância - ainda assim, a forma como seguram as cabeças trair-los-ia.
#36
Cada um é inequivocamente ele mesmo, como aos olhos da sua mãe. Um é careca, outro tem cabelo encaracolado, dois são magros e rijos, outro tem ombros largos e bem cobertos. Todos vestem calças baratas e ávaras e casacos. Estas roupas carregam a mesma relação com os fatos da burguesia como os bairros de barracas da capital, onde os cinco vivem, carregam com as vilas com mobília francesa onde os patrões e mercadores vivem.
#35
A fotografia na mesa à minha frente tornou-se incriminadora. Melhor não a imprimir - mesmo a milhares de quilómetros da Turquia. Mostra seis homens numa fila, numa sala com paíneis de madeira, algures na periferia de Ankara. A fotografia foi tirada depois de uma reunião de um comité político, há dois anos atrás. Cinco dos homens são trabalhadores. O mais velho tem cerca de 50 anos, o mais novo está no fim dos vinte.
#34
O pulso dos mortos
tão interminavelmente
constante como o silêncio
que embolsa a candídiase.
Os olhos dos mortos
inscritos nas nossas palmas
enquanto caminhamos nesta terra
que embolsa a candídiase.
tão interminavelmente
constante como o silêncio
que embolsa a candídiase.
Os olhos dos mortos
inscritos nas nossas palmas
enquanto caminhamos nesta terra
que embolsa a candídiase.
#33
Onde está Tony Goodwin agora? A sua morte proclama que ele nunca mais estará presente em lado algum: que cessou de existir. Fisicamente isto é verdade. No pomar, queimavam folhas há duas semanas atrás. Eu caminho entre as cinzas quando vou à vila. Cinzas são cinzas. A vida do Tony agora pertence, historicamente, ao passado. Fisicamente o seu corpo, reduzido pelo fogo ao elemento carbono, volta a entrar no processo físico do mundo. O carbono é o pré-requisito de qualquer forma de vida, a fonte do orgânico. Eu digo a mim mesmo estas coisas não no sentido de compor uma alquimia especial da imortalidade, mas para me fazer lembrar que é a minha visão do tempo que é impiedosamente examinada pela morte. Não adianta usar a morte para nos simplificarmos. O Tony já não está dentro do elo de tempo vivido por aqueles que, até recentemente, eram os seus contemporâneos. Ele está na circunferência desse elo (a circunferência não de um círculo mas de uma esfera) como estão os diamantes e as amebas. No entanto ele está também dentro desse elo como todos os mortos. Estão ali como todos-os-vivos-que não-o-são. Os mortos são a imaginação dos vivos. E para os mortos, ao contrário dos vivos, a circunferência da esfera não é fronteira nem barreira.
#31
Ser concebido era ser chamado para surgir, para assumir uma forma. No entanto, esta existência anterior, embora informe, não era vaga nem neutra. (digo neutra em vez de neutral pois tinha uma carga sexual, a de uma sexualidade indiferenciada) Eu era desenraizado e tão inocente. Não particular e tão vulnerável. Mas também era feliz. A única imagem desta felicidade, o único contrabando que conseguia passar de volta da fronteira da total vigília não era uma imagem de mim mesmo - pois isso certamente não existia do outro lado da fronteira - mas uma imagem de algo aparentado comigo: a superfície plana de uma rocha, uma pedra sobre a qual uma pele de água fluía continuamente.
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