#132

Diferentemente, o amor ideal é conter tudo. "Aqui eu entendo" escreveu Camus, "o que chamam de glória: o direito a amar sem limites." Esta ilimitação não é passiva, pois a totalidade que o amor reclama constantemente é precisamente a totalidade que o tempo parece fragmentar e esconder. O amor é uma reconstituição no coração desse segurar que é o Ser.

#131

Toda a vida é criada e contida no encontro destas duas forças opostas. Falar desse "conter" é outra forma de definir o ser. O que é  tão desconcertante e misterioso sobre o Ser é que representa tanto a quietude como o movimento. A quietude de uum equilíbrio criado pelo movimento de duas forças opostas.  
A força da sexualidade está para sempre por acabar, nunca está completa. Ou antes, acaba apenas para recomeçar, como se fosse a primeira vez.
 

#130

O impulso sexual para reproduzir e preencher o futuro é um impulso contra a corrente temporal que flui incessantemente em direcção ao passado. A informação genética que assegura que a reprodução funciona contra a dissipação. O animal sexual - como um grão de milho - é um condutor do passado para o futuro. A escala desse alcançe num milénio, e a distância coberta por esse curto circuito temporal que é a fertilização são tais, que a sexualidade - mesmo para os homens e as mulheres - é impessoal. A mensagem encolhe o mensageiro. A força impessoal da sexualidade opõe-se à passagem impessoal do tempo e é-lhe antitética.

#129

Se não houvesse envelhicimento, se o tempo e a sua passagem não estivessem inscritos no código da vida, a reprodução seria desnecessária e a sexualidade inexistente. Que a sexualidade é o salto das espécies por cima da morte, sempre foi claro; é uma das verdades que precede a filosofia.

O amor insiste em dar um salto comparável por cima da morte, mas por definição este não pode ser um salto da espécie, porque o amado constitui a mais particular e diferenciada imagem de que a imaginação humana é capaz. Cada cabelo da tua cabeça.

#128

Os Adãos e as Evas
Continuamente expulsos
e com que tenacidade
voltando à noite!

Antes,
Quando aqueles dois
não contavam
e não havia meses
nem nascimentos nem música
os seus dedos não estavam numerados. 

Antes,
Quando aqueles dois não contavam
sentiam
um formigueiro atrás dos olhos
uma sede na garganta
para algo mais que
o perfume das flores infinitas
e a respiração de animais imortais?

no seu sono sossegado
será que a ponta das suas línguas
procurava o rebento de um outro sabor
mortal e suado?
Sentiriam inveja do desejo
daqueles que vieram depois da Queda?

Mulheres e homens ainda voltam para iludir através da noite
todo aquele tempo por contar.
E com a pontualidade
do primeiro esquadrão de fuzilamento
a expulsão acontece ao nascer do dia.

#127

Muitas das explicações cosmológicas do mundo propuseram, tal como a teoria da entropia, um estado original ideal e depois, para o homem, uma situação de deterioração constante. A Idade do Ouro, o Jardim do Edén, o Tempo dos Deuses... tudo estava longe do presente estado de miséria.


Que a vida possa ser olhada como uma queda, é intrínseco à faculdade humana da imaginação. Imaginar é conceber a altura a partir da qual a queda se torna possível.

#126

Questionar a finalidade do princípio da entropia não é disputar a segunda lei da termodinâmica. Dentro de um determinado sistema, esta e outra leis da termodinâmica podem aplicar-se ao que se revela dentro do tempo. São leis dos processos temporais. É a sua finalidade que pode ser disputada.

O processo de uma entropia crescente termina com o calor-morte. Começa com um estado máximo de energia, que em termos astrofísicos é pensado como uma explosão. A teoria precisa de um início e de um fim; ambos encaram o que está para além do tempo. A teoria da entropia, em última análise, trata o tempo como um parêntesis, e no entanto não tem nada a dizer, e eliminou tudo o que poderia ser dito, sobre o que precedee e o que se segue ao parêntesis. Ali está a sua inocência.

#125

A transformação moderna do tempo, de condição em força, começou com Hegel. No entanto, para ele, a força da história era positiva; raramente houve um filósofo tão optimista. Mais tarde, Marx quis provar que esta força - a força da história - estava sujeita às acções e escolhas humanas. O constante drama presente no pensamento de Marx, a oposição original da sua dialética, nasce do facto de ele aceitar tanto a moderna transformação do tempo em força suprema, como desejar devolver esta supremacia às mãos do homem. É por isto que o seu pensamento era - em todos os sntidos da palavra - gigante. O tamanho do homem - o seu potencial poder - iria substituir o atemporal, acreditava Marx.


Hoje, no ocidente, à medida que a cultura do capitalismo abandona a sua pretensão de ser uma cultura e transforma-se em nada mais que uma Prática Instantânea, a força do tempo é imaginada como um aniquilador supremo e sem oposição.  O planeta terra e o universo estão a esgotar-se. A desordem cresce a cada passagem de uma unidade temporal. O estado final de entropia máxima, onde não haverá nenhuma actividade, é chamado de calor-morte.