#137

Do cemitério e sobre os estreitos, eu e tu olhávamos o mar, o céu acima do mar e, ao longe, as montanhas cobertas de fetos. A costa ali é inclinada como a passagem do nascimento para fora - em direcção ao Atlântico. Os mortos nómadas viajam para este lugar de origem. Estão à distância da fala. Os vivos não sabem falar a sua linguagem. As nossa histórias não são lidas pelos mortos. 

Na nossa ilha
a noite cai mais tarde?
Caminho um pouco mais à tua frente
para que nenhuma cobra morda
os teus pés calçados com sandálias?

O equilíbrio nunca está feito.
É por isso que as estrelas estão silenciosas
e não oferecem nenhum relato.

Como medir
uma estação
contra
o calendário da tua ausência?

Como medir
a corrente
da minha luz emaranhada
na montanha
do que já foi
e o que será?


O equilíbrio nunca está feito.
No entanto à noite os teus olhos e os meus
sondam-se 
e não mostram nenhum traço da vertigem.



#136

Entre as primeiras ilhas da costa oeste está Gigha. Há quinhentos anos, os insulares construíram uma pequena capela na sua ponta mais a sul. Esteve lá trezentos anos e depois caiu em ruína. À volta da capela há um cemitério. As lápides não são muito diferentes das dos cemitérios europeus. Muitas têm gravadas as mortes de várias gerações: o nome, ano de nascimento, dia da morte e o local da morte, se não tivesse sido na ilha. Um nome e duas datas, a última precisa no dia. É isto que está gravado. Sobre o que aconteceu entretanto, fora o simples facto da sobrevivência, nem uma palavra. 

Sal, chuva, liquenes e o vento apagam as letras mais profundamente inscritas, com um século ou dois. Porquê sequer inscrever o nome e as duas datas? A mesma questão pode ser levantada em qualquer cemitério, mas aqui, na ilha, a pergunta é mais evidente. 

As inscrições não são para os vivos. Os que lembram a morte não precisam de ser relembrados. O que está inscrito é uma forma de identificação e as identificações dirigem-se a um terceiro.  As lápides são cartas de recomendação aos mortos, que dizem respeito aos que acabam de partir, escritas na esperança de que eles, que partiram, não precisem de ser renomeados.

#135

Há castelos, há linhas que poderiam ser e foram defendidas, mortes, mas não há barreiras finais. É por isso que se podem pescar enguias na água rodeada pelas montanhas cheias de fetos. É por isso que o céu pode parecer ter mais carne nele, ser mais hospitaleiro, do que a terra. Aqui entre a terra e o céu, é como uma orla. E como a orla costeira cheira a algas marinhas, também esta orla cheira a tempo imensurado. 
O tempo imensurado é pesado com um sentido de perda. As Highlands lamentam os que desapareçam, sobretudo os que foram obrigados a desaparecer. O número dos que foram perseguidos da terra pelas clareiras entra na álgebra inconsolável dos gansos.

#134

UMA VEZ NAS HIGHLANDS
 
As casas do arrendatário agacham-se como animais que se protegem no chão para a noite. Tudo continua a mover-se, os lariços, a samambaia, as florestas caledonianas, a urze, os arbustos de zimbro, a erva. E a mover-se para a terra, a água: os rios a correr para o mar, o mar com as suas marés a encher os lagos. E através da terra e da água, o vento. E, acima de tudo, o vento de noroeste. O buzinar dos gansos selvagens no céu como uma medida fugidia, um contar numa outra álgebra, de todo este movimento.

#133

UMA VEZ NUMA CANÇÃO
 
Um cantor pode ser inocente


nunca uma canção. Com os seus olhos instantâneos
abertos para o mundo
e o seu coração a nu,
a canção é descarada,
a canção é recém-nascida.
Só quando acalma
os ouvintes podem retomar, pelo hábito
a inocência da sua idade.

Quando um grande cantor canta, a pele do espaço e do tempo torna-se tensa, as vozes do recém-nascido enchem o mundo, não sobra nenhuma esquina de silêncio ou de inocência, o roupão da vida vira-se do avesso, o cantor torna-se terra e céu, o passado e o futuro cantam uma das músicas de uma única vida.

Idade. Dia e lugar do nascimento.
Morada permanente.
Dia de entrada no país